Santo Aleixo, Santo
Aleixo,
ela lá e eu aqui
os anjos do céu
me levem
pra terra onde
eu nasci
Com os pássaros
do campo
eu me quero
comparar
andam vestidos
de penas
o seu alívio é
cantar
Se as saudades
matassem
já eu tinha
falecido
elas não matam,
mas doem
Fazem moer o
sentido
Não pensem por
eu cantar
Que a vida
alegre me corre
Eu sou como o
passarinho
Tanto canta até
que morre
A voz de
cristalina de Catarina entoava nos campos das Russianas, a sua voz irradiava
felicidade e alegria. Lembrava a sua aldeia natal que as circunstâncias da vida
a obrigou a deixar: agora havia Mariana e havia que zelar por ela e dar-lhe
tudo que pudessem. Catarina era naturalmente alegre e contagiava tudo em seu
redor era óbvio que naquela madrugada de Julho de 1958, a sinfonia da natureza
juntava-se harmoniosamente à voz de Catarina. Dentro da malhada do tambor
Mariana ainda dormia tranquila, aconchegada a Vicência que se preparava para
deixar o catre e ir fazer o lume para fazer o café e pôr o jantarinho de grãos
a cozer. Catarina e o seu genro daqui a pouco voltavam e tinham que comer
alguma coisa para poderem enfrentar a labuta do resto do dia.
Na noite
anterior Mariana tinha adormecido com a promessa que no outro dia iria á Pipa
com Catarina buscar água montada na burra Lourença. Ela não sabia o que era, a
sua avó tinha-lhe explicado que era uma fonte que corria pelas rochas e que a
água vinha das profundezas da terra:
-Bu bu, mim té
buu
-Amanhã bebes
pelo cucharro que o pai te fez, agora são horas de ir dormir.
Vicência ao
levantar-se sorriu ao ver a sua menina num sono profundo talvez a sonhar com a
água fresca da Pipa, no seu rosto era visível um leve sorriso como, talvez
estivesse a viver um sonho idílico.
Com todas as
cautelas fez o lume .fez o café e pôs o jantar a cozer, lá fora ouvia-se Catarina
e a passarada a chilrear enquanto Manuel se preparava para ir pastar o rebanho.
Estava na hora
de ir procurar algo para aquecer o estômago e então entrou na malhada e já
Vicência o esperava com um prato de fatias douradas e um café bem quentinho e apetitoso,
entretanto apareceu catarina transpirada de tanta labuta:
-Manel vou á
água antes que faça mais calma.
-Já aí vem o calor,
vai ser um dia muito calmoso, vou despachar-me e sair com as cabras.
Todos os dias
era a mesma labuta porque o gado tinha de sair bem cedo para o os serros e
aproveitar a fresquidão da manhã, pois por volta do meio-dia o calor já
abrasaria a terra e teriam de voltar para o acarro.
-Catrina tens de
ir à água, já albardaste a burra?
-Já está pronta,
só falta a menina que eu prometi-lhe levá-la á água.
-Parvoeiras que
sabe ela!
Entretanto
- Mamãã, aboo
-Agora é que
estamos arranjadas, vem comer que se faz tarde e têm de ir á água.
- Dê-lhe
leitinho e fatia que ela gosta.
Eram oito horas
no velhinho relógio, eram horas de irem á Pipa lá partiu a burra Lourença com a
sua preciosa carga e dois cântaros de barro nas aguadeiras para trazerem a
água:
-Arre, Lourença
que vamos à pipa com a nossa menina.
-Pi pa pi pa buu
Mariana com os
olhos bem abertos observava tudo à sua volta. Tudo era tão belo! Tudo estava
tão calmo!
Percorriam a
vereda que as levaria a buscar aquele bem essencial e que a elas nem lhes
passava pela cabeça que um bem tão abundante seria num futuro não muito
longínquo um grave problema para a humanidade pela sua escassez, Catarina e
Mariana, duas almas genuínas neste mundo já então sofisticado. Catarina tinha Mariana,
tinha pão, tinha água, tinha paz, tinha amor, que mais poderia desejar?
Num mundo onde a
globalização era uma miragem e que ela não chegaria a conhecer, ali no meio da
natureza sentia-se livre como os passarinhos que voavam sem se cansarem mesmo
contra o vento
Eis que de
repente Lourença, assustou-se, deu um salto e deixou cair a carga os cântaros
partiram-se e mãe e filha viram-se de repente no chão aturdidas e doridas.
-Mariana!
Mariana!
-Mamã! Mamã!
Medo!
-Não tenha medo
que a mamã está aqui, agora não temos cântaros, vamos outra vez à malhada.
-Bu bu
-Cala-te,
Mariana.
E lá se montaram
na burra e voltaram para trás, ainda não seria aquele dia que Mariana iria ver
a Pipa.
-Que se passa?
Ai que desgraça! Valha-me Nossa Senhora das Necessidades que partiram os cântaros!
-Tenha calma que
à menina não lhe passou nada e os cântaros eram velhos, tome lá a menina que eu
vou sozinha agora, e os grãos já estão cozidos?
-Ai filha! Estão
mais duros que pedras, não sei o que se passa, parece que o diabo anda com a
gente, daqui a pouco vem o teu Manel valha-nos Deus! E o que comemos em cima?
- Logo em vindo
faço uma tortilha barranquenha
-Vai já e que
Nossa Senhora das necessidades te acompanhe, que não passe mais nada hoje, já
chega de desgraças!
Lá abalou outra
vez Catarina e eis que no mesmo sítio a burra
zurra e dá um repinote ao ver no meio da vereda uma enorme cobra toda eriçada e
com a língua de fora;” Não terá sido tua a culpa dos cântaros se terem partido?”,
e contornou –a metendo a burra pelo mato e lá chegou á Pipa que nada tinha a
ver com atualidade , apanhou os cântaros e subiu por uns degraus esculpidos na rocha de uma
maneira natural , com cuidado para não partir os vasilhame e a custo lá chegou
ao cimo.
Quando voltou
com a água para beber encontrou Vicência lavada em lágrimas:
-Que se passa!?
Que se passa, meu Deus!?.
-Ai! os grões
não se cozeram e ai minha vida o que come o teu Manel! Os cabrões estão duros
como pedras e está uma pessoa para aqui degradada para ganhar esta porcaria.
-Mãe, eles se
têm cozido das outras vezes, se calhar deixaram de ferver, eu tenho que estar
em todo o lado, valha-me a nossa senhora! E a menina?
-Caiu fugindo
atrás de uma galinha, apanhou um berrinhe e dormiu-se.
-Ai que a minha
menina está toda encarnada e tem um arranhão na testa.
-É para que
esteja quieta, não se faz caso de ninguém. Bem-feita, é para que aprenda.
Ouve-se O Manuel
tossindo:
Mãe já aí vem o
meu Manel vou fazer a tortilha.
-Vem sempre
tossindo, mas não deixa de fumar, o mal que isso lhe faz e o dinheiro que se
gasta.
-Mãe é uma
distração não tem mais nada, não implique com ele com este calor.
Algum tempo depois:
- Que se passa
com os grãos parecem pedras, não há quem os coma! Eu não os quero, só vou comer
sopas e tortilha. Que porcaria! E a menina que lhe passou que está toda
gatanhada?
-Bu bu bu
-Que tens Mariana,
a menina está tão quente e tem umas manchas no corpo.
-Ai minha vida!
Bebe e vamos mas é comer granitos.
-Pedras, dê-lhe sopas
de pão e tortilha. Esqueceram-se da linguiça.
-Amanhã não faço
o almoço porque não quero!
Saiu irada porta
fora.” Uma pessoa neste ermo e tem de ouvir isto, se o meu bento vivesse, outro
galo cantaria “
-BU bu bu mamã
-Só o que quer é
água e está muito quente. A menina está doente.
Catarina
apavorada exclamou:
-É sarampo. Que Deus
nos valha! Temos que ir a Barrancos e levar a menina ao médico. Sarampo não é brincadeira!
-Ai, ai, ai,
para onde me trouxeram! Para este fim do mundo! Ai, ai, ai
-Manel vai
aparelhar a burra.
-Vais sozinha?
Que vaia tu mãe contigo.
Lá se escarranchou
na burra mais uma vez Catarina com a sua menina tremendo de frio naquele dia
quente de Julho. O senhor doutor muito afável lá consultou Mariana e recomendou
muito repouso e que não andasse ao vento pois o sarampo não era para brincar e deviam ter muito cuidado com a menina que era muito pequenina. Após duas semanas
os sintomas do sarampo eclipsaram. Mariana voltou a saltar e a fugir
alegremente atrás das galinhas num passado tão distante onde a revejo de
vestido de chita às bolinhas encarnadas ao lado da Sentida, respirando a beleza,
a tranquilidade, o tédio do ambiente campestre. Aquele dia ficará na memória
enquanto ela for gente e tiver neurónios para pensar e recordar.
Lourença, a
pipa, a Sentida, valha-nos nossa senhora das necessidades e a sua avó com seu
xaile de luto eterno, a maldita cobra e até o jantar de grões duros como
pedras.
Que saudades
desses momentos!
Que saudades das
alegrias passadas!
Que saudades das
agruras passadas!
Que saudades do
já vivido!
Há dias assim…
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